Como em quase tudo na vida (ou em determinadas alturas da nossa vida) dei por mim a lembrar-me com saudades das mais pequenas coisas. Das tardes quando andava no secundário em que ficávamos ao sol e faltávamos às aulas de 2 horas de francês. Das férias no Alentejo em criança, descalça e com banhos de mangueira. Do tempo que tinha para devorar livros uns atrás dos outros. Do futuro que parecia, então, tão longe.
E da relatividade do tempo, dos problemas e das inseguranças.
E da certeza da felicidade inocente de tudo o que era imediato.
E da capacidade desmedida de gerir emoções.
Os seus corpos dançavam no mesmo compasso uma música que só eles ouviam.
E aos olhos estranhos de quem por eles passava, era a dança mais bela que alguma vez haviam visto.

Há uma corrente de ar a escapar-se pela fresta da janela.
Transporta uma brisa de um Outono que se aventura nas manhãs de nevoeiro mas que se deixa intimidar com o sol da tarde.
E há jogos de sombra e de luz.
E a morna languidez a insinuar-se.
E tudo o que se fez porque tinha que ser feito.
E tudo o que se adiou para amanhã ou depois.
Há um despotismo confortável nas relações.
Onde não se contesta a presença, a ausência, as manias, os bons ou maus hábitos.
Um conforto dormente.
Porque só assim tudo o resto faz sentido.
Porque sempre assim foi.
Porque é tarde para modificar as presenças, as ausências, as manias.

Mas eu vejo essas relações funcionarem e sobreviverem todos os dias.
E porque não?

E nas horas que então passaram, senti que podia ser inteira outra vez.
Nem o longe.
Nem o vento.

Quantas vezes te sonhei?
Quantas mais te procurei sem saber sequer procurar-te?

Tenho saudades de trepar às figueiras para apanhar os figos mais doces, lá no topo.
Saudades das ondas daquela praia.
Saudades do sal a arranhar o corpo a caminho de casa e de tomar banho de água fria porque a quente não chegava para todos.
Saudades de sair à noite e percorrer as mesmas ruas e de me deitar e não ouvir senão o barulho ensurdecedor dos grilos e o ladrar dos cães.
E de ver o céu de estrelas como em mais nenhum lugar.
E de saber que no dia seguinte repetia tudo outra vez.

Domingo.
Alentejo.
Encharcada e vinho tinto.
Um sorriso ao meu lado.
Um sorriso à minha frente.
E uma boa parte do meu pequeno mundo aqui mesmo à minha beira.

Hell, yeah!


Olhei discretamente por cima do ombro.
Apurei o ouvido.

Que raios...?!

Mas à minha volta, nada de estranho. Um mexia o café apressadamente, outro lia o jornal, outro mexia no telemóvel...

Mas de onde é que vem esta música?, pensei.

Vinha da minha mala. O raio da agenda acompanha-me desde o início do ano.
E hoje decidiu que era o dia certo para cantar isto:



"...try to ignore
All this blood on the floor
It's just this heart on my sleeve that's a bleeding
.
"

Da subjectividade dos reflexos