31.

Não o acho um número cheio, bonito, redondo de possibilidades.

É antes um número que parece solitário. O que não chegou a tempo. O que está com todos os outros, mas está a mais. Mais um.

E quando se apega ao fim do ano, último corredor que quase nem conseguiu cruzar a meta, parece-me um número que ficou a meio, que desistiu, que sabe que ter ou não chegado era quase a mesma coisa.

O número do fim.

Que fecha a porta que ninguém se preocupou em fechar.

Tem tanto direito a estar presente como todos os outros números, todos os outros.

Todos.

E mesmo que não seja o número cheio, bonito, redondo e sociável que todos desejavam, mesmo que não seja um número igual aos outros, mesmo que seja diferente, estranho…ele está aqui. Marcado a ferro no fim do meu calendário.

"Escrever é um exercício para arrumar a dor num canto."

T. Adebimpe, TV On The Radio

..."smile through your fear and sorrow..."

As tuas mãos, o gelo.
Das ruas que trazias ainda contigo.
Derretidas, consumidas,
no conforto do nosso abraço.

Hajam mais fins de tarde como o de hoje...
Novamente a certeza: as pequenas trivialidades. A simplicidade das pequenas coisas. É sobretudo isso que fica, quando tudo o resto acaba, quando tudo o resto passa.

A leveza dos teus passos. As palavras bem escolhidas e bem articuladas que, à conta da tua surdez, eu proferia. A doçura com que me agradecias os pequenos gestos. A maneira como falavas de mim como se eu fosse, ainda e sempre, uma criança. O cheiro suculento dos teus cozinhados que chegava ao andar de cima, que se esgueirava por baixo da porta e inundava o prédio inteiro aos Domingos. A pausa quando eu atendia o telefone até, do outro lado, responderes "Olá". Só para saberes se estava alguém. Só para saberes se estava tudo bem. E estas palavras que nunca conseguirias ler - porque não sabias ler - nem nunca eu conseguiria dizer-tas de outra maneira.
E ainda ontem estive contigo.
E ainda ontem te ouvi.
E se da leveza dos teus passos resta apenas a lembrança, estas trivialidades ficaram sempre comigo.
Hoje fiz centenas e centenas de bolas de sabão.
Por entre a multidão, todos os que passavam...

... olhavam
... sorriam
... sonhavam
... seguiam

Voltavam à correria.

Num centro comercial cheio de gente fiz centenas e centenas de bolas de sabão.
E enquanto eu o olhava, enquanto ele as rebentava, enquanto ele se ria, enquanto ele fugia, todos os que passaram levaram para casa a simplicidade perfeita daquelas bolas de sabão.
Seguem-se os passos, certeiros.
Um pé a seguir ao outro, ritmados pelo alento.
Conhecem bem o caminho.

Mas se conhecem todos socalcos e cada pedra da calçada é porque os olhos vão

... quase sempre...

cravados no chão.

Amanhã mando as poças de água às urtigas e vou antes pousar as vistas numa ou outra nuvem. Aposto que,
de qualquer das formas,
os pés hão-de descobrir o mesmo caminho e que,
de uma forma ou de outra,
vou na mesma lá dar.