O rio, um espelho.
Mesmo eu, de costas voltadas, consigo vê-lo, senti-lo.
Sabê-lo na sua multiplicidade de prata no rosto de quem passa, nas lágrimas de quem se esconde.
Chora por dentro, este rio. Uma torrente negra-lama, dos sonhos desfeitos e das ruas sem saída.
Leva consigo: os barcos, a ponte, as casas, as almas.
Preparo-me para lhe fazer frente. Para rasgá-lo a meio (corte profundo de veias), galgando-lhe as ondas e os motins despropositados.
Sei-te bravio. Mas sei também essa cara valente que teimas em mostrar.
Conheço-te a moldura, o enquadramento, a esquadria e as marés.
Chora sem quem houvesse amanhã, rebenta de encontro a cais abandonados por cães vadios.
Impede o teu leito de correr na direção certa, no sentido suposto.
Contraria a vontade lancinante e faz da foz o teu renascer.
Envolve-te com o mar, enleia-te com a verdade, deita-te com quem quiseres.
Mesmo que te chamem fácil.
Mas não desistas de mim.
Porque em ti, esse espelho.