O poder enebriante dos primeiros dias de sol
é fazer-nos acreditar que tudo é possível outra vez.
Disseste-me que não sabias. Porque as noites eram pequenas.
Mal davas por ti, já estavas a sair debaixo das mantas onde há tão pouco te havias refugiado, sem tempo para pensamentos ou para dar conta dos sonhos que fugiam de mim, segundos antes de adormecermos. E já estavas de novo a pé. Parecia que tinham passado poucos minutos. Parecia que tinha passado uma vida inteira.

O lume ardia todo o dia e as brasas mantinham-se incandescentes até à madrugada. Sob a camada de cinza, o calor que deitavam, ajudava a aquecer-te as mãos.

Ainda assim, via-te a esfregá-las uma de encontro à outra, rodando os pulsos, a chegá-las aos lábios e a soprar lá para dentro. A hesitares na resposta. A evitares os meus olhos.

Já não te esperava ouvir. Era tão cedo ainda. O cão a dormir, enroscado num canto.Tu a olhares para mim enquanto vertia o leite quase a ferver na caneca. E a demorares mais do que podias, mais que devias, a deixá-lo arrefecer, de olhar preso na janela e no dia a crescer lá fora.

E do silêncio mais profundo da cal das paredes, a tua voz ecoou: é hoje.

Hoje sentei-me ao sol. E ouvi esta. E senti-me viva outra vez...

...só mais uma vez.




Diz-me quanto tens de honesto quanto tens de bom

Diz-me quantas provas queres diz-me quanto sou

Já não sinto nada dentro não sei perceber...

Vai só mais uma volta, desta ninguém vai dizer.

Fossem todos os dias iguais e não perdíamos o equilíbrio.
Dava-mos passos em frente, certeiros, sem vacilar.
Não nos perdíamos com tudo o que temos em mãos e tudo o que temos em mente.

Era fácil. Era mais fácil.
Seria melhor?
Não.

Fossem todos os dias iguais e não saberíamos
que perdemos o equilíbrio, caímos.
Mas erguemo-nos outra vez.

Damos passos em frente.
Vacilantes.
Passos atrás.
Por vezes acabamos a mudar de rumo.

Fossem todos os dias iguais e não daríamos valor a tudo o que temos em mãos,
a tudo o que temos em mente
e a tudo o que guardamos no coração.

Ainda de Robert Longo.
Alguém, há poucos dias, a apelidou de "Sofrimento".
Faz sentido.

I Grieve



...they say life carries on...and on...and on...
Normalmente é assim...


...não matam mas moem.
Chegou hoje o sol.
E, mesmo com o frio que nos rodeia, sentimos o seu calor como um beijo leve.
Sentimos porque o conhemos e, mesmo na sua ausência, sabemos imaginá-lo em nós.

Reflections of a Skyline




Ainda e sempre isto...

baseado em Crave, de Sarah Kane

Shhh....

O silêncio, branco e envolvente.
Da zona de conforto.
Do corpo enroscado, morno.
Da languidez dos olhos semicerrados.


O silêncio das montanhas silenciosas à nossa volta.
O silêncio das cercas, das âncoras, dos muros.
O silêncio de tudo o que construímos.
Todos os dias.
Como cada dia.

Na passagem impossível, por entre as gotas da chuva.
Na contagem imprescindível dos momentos diluídos na memória.
A discorrerem, ferozes. Em cavalgada alucinante.
Por mim adentro, por mim acima.

Nos meus dedos, nas linhas das minhas mãos,
todos os dias contados, diluídos.

Multiplicados pela passagem, pela discórdia, pela tempestade de cada dia.

The Laughting Heart




your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

Charles Bukowski