Go or go ahead


Abri a porta para o silêncio. As luzes apagadas. Apenas uma janela aberta a deixar escorrer para dentro de casa a luz mortiça e intermitente do candeeiro da rua.
Acendo, agora, os interruptores à medida que avanço em cada divisão, à tua procura. Sobre a mesa está um papel, a escrita firme, quase serena:

Ninguém tem que me ouvir. As minhas dores, a repetição exaustiva dos meus dias e da forma como, lentamente, desapareço sob camadas de sonhos mortos pelas desilusões e pelo cansaço.
Ninguém tem a obrigação de ver as minhas lágrimas, a minha descrença e a minha insegurança. Não sou de ninguém. Aprendo, da pior maneira, a tentar ser sozinho. À medida exacta e na mesma proporção com que as paredes e as mãos dos outros se fecham ou afastam de mim.
Mas não sei ser sozinho.
Não consigo ser sozinho.
Não quero ser sozinho.
E a angústia somada de todos estes silêncios, mais e mais profundos, caem como o pano no último acto.


Mas não podias estar mais errado. Saio porta fora. Não me preocupo (como sempre faço) em apagar todas as luzes e fechar bem a porta.
Sei exactamente onde estás e vou chegar até ti. E vou mostrar-te que estás errado. Os teus sonhos não morreram: juntos vamos dar-lhes vida.

What a difference a day made...


Há dezenas de Homem-Aranha, um ou outro Super Homem. Princesas são poucas e fatos originais e home made contam-se pelos dedos de uma mão.
Depois há os milhares que se arrastam debaixo do sol sem olhar sequer duas vezes para o mais extraordinário espectáculo que têm ali mesmo ao lado.
Por entre encontrões e tentativas de furar caminho, decido virar costas às máscaras: às dos miúdos e às daqueles que as usam todos os dias.
Prefiro, sem duvidar por um segundo, isto:

Para o infinito...e mais além!


Começo a fazer planos. A acreditar que é mesmo verdade, que vai acontecer.
Preparo os passos que vou dar, o que o meu olhar vai percorrer.
Preparo-me para, em breve, levantar voo novamente.
O destino é diferente. Os sonhos são os mesmos.
Levo-os na bagagem.
Até lá...faço planos.

Feeling Good


Olho para o teu corpo no chão e sinto liberdade a correr-me pelas veias. A arma que tenho na minha mão é de um metal frio que me confirma a realidade. Ainda bem. Estava com medo que fosse só um sonho.
Na aparelhagem, os Muse tocam “Feeling Good”. Gostavas tanto de ouvi-los. Ficavas numa espécie de transe e deixavas os acordes fortes correrem por ti como corrente eléctrica. Ou talvez fosse só o efeito do pó branco a chegar ao teu sangue, ao teu coração, a turvar-te o olhar. Gostavas de arranjar essas desculpas patéticas para me empurrares de um lado para o outro com as tuas palavras ou com as tuas mãos. Agora já não te podes rir de cada vez que ouvires esta música (porque agora sou eu que sorrio quando a oiço). Nem podes entrar mais em mim.
Não estás morto, mas para mim é como se estivesses porque o meu medo morreu e por isso tu também. E tu sabes disso.
Gostava de saber como é que vais explicar nas urgências que levaste um tiro na perna. E que estavas com muito medo de mim quando isso aconteceu.

Consumismo



Sinto-me uma consumista sem alma rodeada de milhares de pessoas que se atropelam para passar à frente de alguém na fila para a caixa.
Compro um filme.
Compro uma revista de música.
Compro um Caffè Mocca Branco.
No fundo, no fundo, estes caprichos alimentam-me a alma. Pelo menos, parece-me ser uma boa desculpa.
Regresso a casa com dois sacos, 350 calorias a mais e feliz. Bastante feliz.

No carro, som no maximo


Superstition, Stevie Wonder

Crash into me



(Nota: há algum tempo atrás descobri que, ao ouvir esta e aquela música, nasciam em mim pequenas histórias. Ao som de Crash Into Me, de Dave Matthews Band, nasceu esta...)
Olho pela montra e sei que já não vou a horas de passar por ti. De certeza que o lugar no metro ao lado do teu não vai estar vazio, mas de qualquer forma já não te consigo apanhar. Ontem foi diferente. Consegui sair da loja dois segundos depois de cruzares a esquina ao cimo da rua. Vinhas, como sempre, com o teu livro na mão e a tua música nos ouvidos. Ainda pensei em sorrir-te mas não fui capaz. Olhei para o relógio e pus-me a caminho da estação de metro, mal contendo a vontade de olhar por cima do ombro para te poder ver. O mais difícil é conseguir ficar ao teu lado, atrás de ti, à tua frente, onde quer que seja desde que esteja perto de ti, sem que repares que o faço de propósito. Farto-me de pensar se não terás já reparado que o faço. É tão óbvio.

A viagem não é longa mas tento, cada dia em que viajo ao pé de ti, ver um novo pormenor que ainda não tinha reparado. Mata-me de curiosidade não saber que música estás a ouvir. Gosto de pensar no que poderás estar a ouvir de acordo com o teu semblante. Um ligeiríssimo sorriso, um imperceptível abanar de cabeça ao compasso da música, o olhar perdido no vazio dos túneis do metro. Depois vejo-te levantar e sair e nem quero acreditar que sonho acordado todos os dias da semana. Devia ter idade para ter juízo, já tenho idade para me chegar ao pé de ti e inventar um pretexto qualquer para falar contigo.

Sonho acordado enquanto registo os preços no balcão da loja. Faço esquemas mentais, planos inconsequentes e conversas que poderíamos ter. Passo os dias assim, entre etiquetas de preços – “é para oferecer?” – e deambulações que me levam até mais perto de ti.

Já no final da Primavera, o que começou por ser uma manhã soalheira descambou num meio dia quente e nublado e acabou num final de tarde ventoso que rebentou num dilúvio. As ruas de Lisboa são lavadas pela chuva e uma senhora de idade passa por mim a dizer “já ninguém pode confiar no tempo…já não há estações do ano”. A mesma senhora levava umas sandálias ortopédicas abertas e os pés, por certo, já encharcados. Tentava cobrir, em vão, a permanente que fez, com toda a certeza, nessa tarde, com um folheto de propaganda de um hipermercado qualquer. Eu reparava nestes pormenores enquanto me preparava para encarar, sem chapéu-de-chuva, o caminho até à estação de metro. As várias poças de água pelo caminho requeriam toda a minha atenção e capacidade de manobra para conseguir evitá-las e escapar ainda aos rios que escorriam das goteiras dos prédios. Só queria chegar a casa. Faltava pouco para chegar à estação de metro, “uns 100 metros e já está” – pensava eu – mas o sinal para peões ficou vermelho. Devo ser das poucas pessoas que não atravessa a estrada quando o sinal fica vermelho. E, assim, ali fiquei. Parado. Á chuva. A pensar na ruína em ficaria a minha roupa.

Depois a chuva parou de cair. Mas deixou de cair apenas sobre mim, porque à minha volta tudo continuava igual. Uma coisa já sei sobre ti: és uma mulher precavida, não te esqueceste do chapéu-de-chuva. Retiraste-o da tua mala – dessas cujo conteúdo é um universo fascinante de prescindíveis e imprescindíveis – abriste-o sob a chuva e, ao chegar ao sinal vermelho, paraste ao meu lado – tão perto – e puseste-o sobre mim.

Éramos dois estranhos sob um pequeno chapéu-de-chuva preto, nessa tarde. Olhámos um para o outro e sorriste para mim. No fim, foste tu que escolheste chocar comigo.

Conta-me tudo

Fecha a porta. Senta-te aqui, ao meu lado, e conta-me o teu dia. Sente as tuas dores e as tuas angústias aqui, ao alcance da minha mão, à distância do meu abraço.
Faz com que estas quatro paredes encolham sobre nós, enclausurem os nossos segredos feitos de sonhos e promessas. E deixa-me olhar-te e ficar em silêncio por saber que enfim estás bem, enfim estás em casa. Mas oiço-te, oiço-te sempre e partilho os teus sonhos e as tuas aventuras. Sinto-te perto, sinto-te aqui e sinto que os teus olhos abarcam todo um mundo de possibilidades.
Fecha a porta. Fecha os olhos. Dorme, agora, porque amanhã será outro dia em que farás parte do meu mundo.

Are You There?


Pessimista. Por natureza. Regida pela Lei de Murphy: tudo o que de pior puder acontecer, acontecerá. Na pior altura possível. Da pior forma possível.

Antes assim. A partir daí é sempre a subir.
E continuar a procurar.

Há muito tempo atrás

Chegaste ao pé de mim com as mãos vazias. Trazias nos lábios o cansaço dos dias e por isso não falaste.
O teu olhar estava desiludido, triste com o que o mundo teimava em te não dar.

Nunca irás conseguir ver para além de ti mesmo.
Nunca saberás do que és capaz.
Nunca descobrirás o teu valor.

Vives a olhar para o que já aconteceu.
Perdes o tempo, ele escapa-te pelas mãos.
E, por isso, chegaste ao pé de mim com as mãos vazias.

Trainspotting

Junto duas das minhas paixões - música e 7ª arte. Perfeição.
Aqui fica, para recordar, uma das melhores aberturas cinematográficas de sempre.
Trainspotting, 1996, de Danny Boyle

The Beatles


Há quarenta anos atrás, no topo do edifício da Apple, sede da editora dos Beatles, fazia-se história. No coração londrino, Os Fab Four despediam-se do mundo como melhor podiam fazê-lo - com música. Chegaram, tocaram, fizeram estragos suficientes para que muitos bobbies fossem chamados a Saville Row, devido às queixas dos senhores de chapéus de coco, sobretudos e gravatas sobre aquele barulho ensurdecedor. A polícia acabou apenas por pedir que baixassem o som dos amplificadores.
Foi o princípio do fim da banda. A grandeza, essa, permanece até hoje.

O infinito à minha frente


Estendo o olhar até onde o mar e o céu se encontram.
Escondo-me por trás de uma lente, encolho-me dentro do calor da roupa e tento captar o momento perfeito em que não existe mais ninguém.
Só o vento a cortar-me a pele, a estrada deserta atrás de mim,o abismo a um passo.
Fixo o momento.
Mas só partilhado descubro que ele faz qualquer sentido.