31.

Não o acho um número cheio, bonito, redondo de possibilidades.

É antes um número que parece solitário. O que não chegou a tempo. O que está com todos os outros, mas está a mais. Mais um.

E quando se apega ao fim do ano, último corredor que quase nem conseguiu cruzar a meta, parece-me um número que ficou a meio, que desistiu, que sabe que ter ou não chegado era quase a mesma coisa.

O número do fim.

Que fecha a porta que ninguém se preocupou em fechar.

Tem tanto direito a estar presente como todos os outros números, todos os outros.

Todos.

E mesmo que não seja o número cheio, bonito, redondo e sociável que todos desejavam, mesmo que não seja um número igual aos outros, mesmo que seja diferente, estranho…ele está aqui. Marcado a ferro no fim do meu calendário.

"Escrever é um exercício para arrumar a dor num canto."

T. Adebimpe, TV On The Radio

..."smile through your fear and sorrow..."

As tuas mãos, o gelo.
Das ruas que trazias ainda contigo.
Derretidas, consumidas,
no conforto do nosso abraço.

Hajam mais fins de tarde como o de hoje...
Novamente a certeza: as pequenas trivialidades. A simplicidade das pequenas coisas. É sobretudo isso que fica, quando tudo o resto acaba, quando tudo o resto passa.

A leveza dos teus passos. As palavras bem escolhidas e bem articuladas que, à conta da tua surdez, eu proferia. A doçura com que me agradecias os pequenos gestos. A maneira como falavas de mim como se eu fosse, ainda e sempre, uma criança. O cheiro suculento dos teus cozinhados que chegava ao andar de cima, que se esgueirava por baixo da porta e inundava o prédio inteiro aos Domingos. A pausa quando eu atendia o telefone até, do outro lado, responderes "Olá". Só para saberes se estava alguém. Só para saberes se estava tudo bem. E estas palavras que nunca conseguirias ler - porque não sabias ler - nem nunca eu conseguiria dizer-tas de outra maneira.
E ainda ontem estive contigo.
E ainda ontem te ouvi.
E se da leveza dos teus passos resta apenas a lembrança, estas trivialidades ficaram sempre comigo.
Hoje fiz centenas e centenas de bolas de sabão.
Por entre a multidão, todos os que passavam...

... olhavam
... sorriam
... sonhavam
... seguiam

Voltavam à correria.

Num centro comercial cheio de gente fiz centenas e centenas de bolas de sabão.
E enquanto eu o olhava, enquanto ele as rebentava, enquanto ele se ria, enquanto ele fugia, todos os que passaram levaram para casa a simplicidade perfeita daquelas bolas de sabão.
Seguem-se os passos, certeiros.
Um pé a seguir ao outro, ritmados pelo alento.
Conhecem bem o caminho.

Mas se conhecem todos socalcos e cada pedra da calçada é porque os olhos vão

... quase sempre...

cravados no chão.

Amanhã mando as poças de água às urtigas e vou antes pousar as vistas numa ou outra nuvem. Aposto que,
de qualquer das formas,
os pés hão-de descobrir o mesmo caminho e que,
de uma forma ou de outra,
vou na mesma lá dar.
Cai-lhe a chuva na palma da mão. Mas não a desvia.
Sente-lhe os caminhos que percorreu e os sulcos que desbravou.
Vira-a e revira-a, dá-lhe nomes e idades distintas.
E sente-a fria, e sente o frio.
Que vai lá fora, que lhe vai por dentro.
E esquece a chuva, aconchega a roupa, fecha mais um botão, encolhe-se mais e procura o seu próprio calor.
Perdido e achado por entre os vincos da roupa e as rugas da alma.
Velha de sabedoria, cansada de saber.

"...'cause I worked and I cursed and I cried..."

A Espera


Estou sentada. À espera.
Ordeno os pensamentos e ensaio mentalmente o discurso.
Uma vez mais, mil vezes mais.
Aglutino as palavras ordeiramente, frases, parágrafos, capítulos inteiros para conseguir chegar onde quero.
Ao fim.
A ti.

Repito mil vezes as mesmas lógicas, as mesmas conclusões, para que se solidifiquem na minha mente. Para que não fraqueje na hora em que terei que dizê-las à tua frente.

Aqui, sentada, sob a luz do candeeiro da rua, racional e confiante.

Depois, no traiçoeiro calor das tuas quatro paredes, esvaem-se as forças, as verdades e varrem-se as palavras ensaiadas para chegar ao fim.
A ti.

Concentro-me, fecho os olhos, cerro os pulsos.
Cá vai, tarde demais.
Tímidos, a princípio.
Impetuosos, impiedosos, a arrancar-me de mim.
Sem defesas, sem forças
- sem querer sequer lutar -
entrego-me ao minimalismo irresistível, impossível,
do compasso da tua respiração.

Mais tarde, depois da batalha inebriante nos teus lábios,
quando dormes,
pego no marcador e escrevo no teu pulso mais um pensamento
para que sejas ainda e sempre meu.

Não tenhas medo.
Perseveramos na tormenta.
E pertence-mo-nos.
"Sei desde o início:
na solidão, é-me impossível fugir de mim próprio.
"

J.L.Peixoto
Posso roubar-lhe dois minutos?

Parei. Pensei.
Tanto tempo desperdiçado em momentos inúteis, em conversas sem nexo.
Em tentativas infrutíferas, em explicações desnecessárias.
A procrastinar, a sonhar acordada, a contemplar o infinito ou o vazio.

Tanto tempo perdido a dizer não, a dizer talvez, a dizer nunca. E se todos esses minutos valeram a pena...

... Pode.

Do outro lado, um olhar de espanto, um sorriso e alguém apanhado completamente desprevenido.
Acorda. Levanta-se.
Sai devagar da cama para não a acordar.
Encosta a porta, o duche do costume, água a escaldar sobre os ombros, a sacudir o resto dos sonhos pelo cano abaixo.
Depois abre as gavetas, escolhe uma gravata e um ou outro sorriso para levar na algibeira.


Nunca se sabe.

Bebe um café, pega nas chaves e deixa-lhe um bilhete:

Não escrevas em mim os teus pensamentos. Porque me fazes sentir teu. E eu tenho medo.


Falasses tu e que segredos partilharias?
Que torrente de palavras,
guardada
selada
adormecida?

Todos os teus medos, as tuas forças
A coragem inebriante das tuas águas?
Dos teus lábios?


I'm still here, Pearl Jam
(cortesia de um Bandido, R. F.)

Desalinho II


As horas, os minutos, subjectivos.
Amarrados, mas decididos e perseverantes.
Na tormenta.

Esticam o infinito do presente
feito de esperas,
de ausências,
de entrelinhas.
Se o imediatismo dos pensamento está em desalinho
Contraria-se a vontade dos dedos em discorrerem sobre as linhas profundas da carne.

Aconchegam-se mais à pele as sombras do teu olhar
que a memória guarda locais inesperados.

E o desalinho dos dedos a discorrerem
a memória
a pele

À procura da vontade
das sombras
de ti.

Desalinho

Who's your daddy?!


Olhavam para o mesmo céu.
Um via nuvens cinzentas.
Outro, via-as brancas.
Outro ainda, via apenas as brechas azuis por entre as nuvens.
Tudo uma questão de daltonismo mental: cada um vê a cor que precisa de ver no mundo que o rodeia.

A mudança cola-se à minha pele.
E florescem em canteiros e janelas novos rumos.


Noite negra, fustigada pela chuva e pelo vento.
Até os faróis se diluem na difusa estrada à minha frente.
Rumo a casa. O rádio ligado.
E alguém repete, com a mesma intensidade da chuva que cai,
and it wears me out...

"Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
pelo sonho é que vamos."


Sebastião da Gama

De novo aqui.
A cavalgar com o olhar a calma deste rio.
Outra vez.
Vejo que ele guardou todos os meus sonhos e que eles voltam agora à tona, cercando-me como seres marinhos adormecidos nas profundezas azuis.
E eu sorrio-lhes.
De novo.
Aqui.
A olhar para a outra margem.
A outra margem de tudo.

"Não entendeis que a realidade está do avesso?
Não entendeis que só para isso tendes mãos,
para a agarrar com força e pôr o avesso para dentro?
"
A. Casais Ribeiro
"...é essa a insuficiência das palavras ou, pelo contrário,
a sua condenação por duplicidade sistemática,
uma palavra mente, com a mesma palavra se diz a verdade,
não somos o que dizemos,
somos o crédito que nos dão."


Saramago, "O Ano da Morte de Ricardo Reis"
Às vezes dou por mim a pensar: 'sou de hábitos estranhos'.
Gosto, volta e meia, de dormir para o lado contrário. Viro a cabeça para os pés da cama, desfaço lençóis e lá vou eu, para uma nova perspectiva sobre o deixar-me adormecer.
Umas vezes durmo melhor. Outras, pior. Mas sinto que mudei e que posso voltar a fazê-lo se as voltas na cama são tantas que lhes perco a conta.
E os hábitos estranhos parecem-me, a meio da noite, normais. E o que acho estranho é que os outros não os tenham.

A chuva e o cinzento.
E toda a emoção e todas as memórias que elas podem conter.

Leio-te.
E penso-te.
Na multiplicidade dos momentos.
E desdobro-te à minha medida.
Mas volto a dobrar-te, com cuidado, para que não saibas sequer que te pensei.
Em mim. Para mim.
Como em quase tudo na vida (ou em determinadas alturas da nossa vida) dei por mim a lembrar-me com saudades das mais pequenas coisas. Das tardes quando andava no secundário em que ficávamos ao sol e faltávamos às aulas de 2 horas de francês. Das férias no Alentejo em criança, descalça e com banhos de mangueira. Do tempo que tinha para devorar livros uns atrás dos outros. Do futuro que parecia, então, tão longe.
E da relatividade do tempo, dos problemas e das inseguranças.
E da certeza da felicidade inocente de tudo o que era imediato.
E da capacidade desmedida de gerir emoções.
Os seus corpos dançavam no mesmo compasso uma música que só eles ouviam.
E aos olhos estranhos de quem por eles passava, era a dança mais bela que alguma vez haviam visto.

Há uma corrente de ar a escapar-se pela fresta da janela.
Transporta uma brisa de um Outono que se aventura nas manhãs de nevoeiro mas que se deixa intimidar com o sol da tarde.
E há jogos de sombra e de luz.
E a morna languidez a insinuar-se.
E tudo o que se fez porque tinha que ser feito.
E tudo o que se adiou para amanhã ou depois.
Há um despotismo confortável nas relações.
Onde não se contesta a presença, a ausência, as manias, os bons ou maus hábitos.
Um conforto dormente.
Porque só assim tudo o resto faz sentido.
Porque sempre assim foi.
Porque é tarde para modificar as presenças, as ausências, as manias.

Mas eu vejo essas relações funcionarem e sobreviverem todos os dias.
E porque não?

E nas horas que então passaram, senti que podia ser inteira outra vez.
Nem o longe.
Nem o vento.

Quantas vezes te sonhei?
Quantas mais te procurei sem saber sequer procurar-te?

Tenho saudades de trepar às figueiras para apanhar os figos mais doces, lá no topo.
Saudades das ondas daquela praia.
Saudades do sal a arranhar o corpo a caminho de casa e de tomar banho de água fria porque a quente não chegava para todos.
Saudades de sair à noite e percorrer as mesmas ruas e de me deitar e não ouvir senão o barulho ensurdecedor dos grilos e o ladrar dos cães.
E de ver o céu de estrelas como em mais nenhum lugar.
E de saber que no dia seguinte repetia tudo outra vez.

Domingo.
Alentejo.
Encharcada e vinho tinto.
Um sorriso ao meu lado.
Um sorriso à minha frente.
E uma boa parte do meu pequeno mundo aqui mesmo à minha beira.

Hell, yeah!


Olhei discretamente por cima do ombro.
Apurei o ouvido.

Que raios...?!

Mas à minha volta, nada de estranho. Um mexia o café apressadamente, outro lia o jornal, outro mexia no telemóvel...

Mas de onde é que vem esta música?, pensei.

Vinha da minha mala. O raio da agenda acompanha-me desde o início do ano.
E hoje decidiu que era o dia certo para cantar isto:



"...try to ignore
All this blood on the floor
It's just this heart on my sleeve that's a bleeding
.
"

Da subjectividade dos reflexos



Tinha sido apenas um passo em falso.
Um movimento mal calculado.
Um pé que tinha resvalado, deixando em tensão todos os outros músculos para aguentar a pressão.
Mas tinha sido o suficiente para trazer de volta a vertiginosa presença do abismo.

Escalamos montanhas todos os dias.
Mas esquecemo-nos quase sempre do arnês de segurança.
Não ficamos surpreendidos.
Antes ficamos agradecidos quando sabemos que temos alguém a olhar pelo nosso sistema de segurança, a verificar cada nó, a dizer “tu sabes que consegues escalar mais esta montanha”.
Quando esse alguém não nos deixa cair.

Nothing is trivial


The Crow, 1994

Norte


Falas do Sul. E eu respondo-te:

norte, s.m.ponto cardeal situado na direcção da Estrela Polar, considerado o ponto de orientação de referência e designado pelo símbolo N; vento que sopra desse ponto; pólo árctico;[com maiúscula] região ou regiões setentrionais; figurado: destino, guia, rumo, direcção.

Porque é o norte que orienta bússola.
Porque é a norte que o vento corre mais fresco e cria correntes de ar por nós adentro, que limpam os quatro cantos do coração.

Porque se rumamos a sul, é porque podemos voltar as costas ao norte, sabendo que o seu magnetismo, cedo ou tarde, nos voltará a atrair...por muita deambulação que façamos pelos outros pontos cardeais: o caminho certo será sempre para lá.

Frágil

Pega-se numa caixa de cartão.
Usada porque, como se sabe, se já suportou outros pesos e caminhos é porque com toda a certeza aguenta mais um.

Começam a retirar-se coisas das prateleiras e dos armários. Protegem-se para aumentar a probabilidade de chegarem salvas ao destino.
Pouco a pouco, enche-se a caixa com o tudo e o nada que não podemos deixar para trás.

Fecha-se a caixa. Escreve-se "Frágil".
E é isso que ela leva consigo: a fragilidade dos laços humanos e da nossa luta por mantê-los.

Ontem, a contrariar os últimos tempos.
Aproveitei todos os minutos do dia.
E da noite.
Preenchi-os.
Ontem foi um dia bom.
E eu fui feliz.

Ponho a música nos ouvidos. Na cabeça. No coração.
Tudo à volta se cala.
Na areia que aquece,
no mar que, incessante, estremece,
todos se movem ao ritmo do meu som.

E o som sobe - a temperatura também - e sinto que cada grão de areia está exactamente onde deveria estar. E cada olhar pousa exactamente no centímetro de pele onde não devia pousar.

Da praia vazia resta uma vaga ideia (e uma foto também).
Todos se movem agora sob o círculo perfeito da minha música. Todas as ondas acertam o compasso. A ínfima brisa desafia, em vão, o rebordo de cada chapéu de sol.

Inacreditável...
Que toda a energia que emana do sol e do mar pareçam entrar-me pela pele adentro.
Há quanto tempo não te sentia assim?
E as saudades deste sabor?
Da leveza do corpo suspenso no infinito à minha frente.
E o frio da água quando mergulho de cabeça, poucos segundos depois de ter apenas molhado a ponta dos pés.
Nunca gostei de esperar quando estou frente ao mar.
O desejo é demasiado para esperar que todas as ondas passem ou que deixe de sentir o arrepio.
Vou pousar a caneta. Vou só ali ao mar e já volto.

The worst part of having too much time on your hands is that you end up procrastinating.
And you end up thinking of all the things you shouldn't be thinking of in the first place.

Too much. Too often.


Em vez da silly season, a lazy season.
Em que o corpo se arrasta na beira do calor,
a mente divaga por caminhos lânguidos e quentes,
a música derrapa em repeat,
os pés pousam em sítios interditos,
e o coração também.

Opening Scenes - Fuckin' A #1


Trainspotting, Danny Boyle


Uma vez mais, a tentar tecer uma teia impossível e improvável.
A contar pelos nós dos dedos, a desfiar o novelo das horas.

Good Ridance


O regresso



O dificil é, por osmose, absorver a limpidez destas águas, destas paragens, destes dias e, no regresso, levar as certezas de volta.

Há os momentos certos.
Em que encontramos a chave certa.
Come gather 'round people
Wherever you roam
And admit that the waters
Around you have grown
And accept it that soon
You'll be drenched to the bone.
If your time to you
Is worth savin'
Then you better start swimmin'
Or you'll sink like a stone
For the times they are a-changin'.


Bob Dylan

Da relatividade da Distância


A cada momento que me afasto, a certeza.
A distância não se mede em metros.
Só em emoções.
E saudade.


People moving all the time inside a perfect straight line.
Don't you wanna curve away?

A música que nos eleva.
Que nos deixa sem voz.
Que nos dá força sobre-humana.

Que nos faz voar,
sonhar,
viver,
exorcizar demónios,
roçar o céu.

Na manhã, seguinte, já de pés na terra e dores no corpo...
não sei viver sem este vício,
sem a doce ressaca do dia seguinte em que sabemos que valeu a pena.

Lei da Compensação


Posso só chegar até ao final do dia?
Despir a pele e lavar o destino?
Forçar-me a acreditar que tudo vai ser possível outra vez?

Help me get down, I can make it, help me get down
If I only knew the answer and if all our days are numbered
Why do I keep counting?

Hoje, em modo: lamber a ferida e voltar à corrida.

No Alentejo, Baixo, profundo, calam-se hoje as vontades.
Amordaçam-se os desejos e escolhe-se o conforto do círculo da mesa, da quadratura do horizonte vista desde a planura sem fim deste recanto da solidão.

E esta noite, sob um cobertor de estrelas, os sonhos serão quentes, impulsionados pela graduação e o sono agitado por uma cama que não é minha.

Faço-a onde quiser.

O escape em estar além, num fim do meu pequeno mundo.
E uma gota de suor a abrir caminho ao que há-de vir.

Insónia

No silêncio de uma noite branca, enfrento, altiva, a Insónia que se aproxima.
Traz o ar insolente de quem se sabe senhora de si e do inevitável estado em que deixa os que gravitam no seu círculo mais próximo.

Odeio-a neste momento e apetece-me chamar-lhe muitas coisas:
Cabra.
Devoradora.
Ladra.

Importaste de sair das quatro paredes da minha cabeça?
A sério.

Só queria o sono, pesado, robusto, devastador.
Do fim do dia, do fim do cansaço.
Mas não. A noite estava tão branca que não resististe a sair do canto negro onde, cobarde, gostas de te esconder.

Seja.
Vou vencer-te com um desfiar de palavras.
E só não te ponho no teu devido lugar com dois valentes berros porque o silêncio da noite consegue ser maior do que tu.


Numa mesa perto de mim, umas senhoras falam apaixonadamente sobre uma qualquer Igreja. Falam no quanto acreditam, nos pilares mais fortes do Edifício e não resisto a ouvi-las (sei que não devia, mas elas falam alto).

No fim, penso que sou também um ser crente. Também tenho a minha Fé.
A minha religião tem muitos pilares. É um Edifício com muitos quartos e janelas abertas para o mundo.

A Família. Os Amigos.
A Música. O Cinema. A Literatura.
As Viagens. Os Sonhos.

E sei que nunca estou sozinha.
E que muitos partilham a mesma Fé.

Pensando bem, acho que não sou assim tão diferente das senhoras da mesa ao lado.

A meio de uma conversa banal, ele fechou os olhos e sorriu.
Calou-a com aquele inesperado movimento.

"Faz as malas. Vamos viajar."

Jamais poderia compreender ou imaginar o quanto ela o amava quando lhe dizia isto, quando pegava nela e a fazia voar.
...I saw the devil wrapping up his hands
He's getting ready for the showdown
...

Bússola e Compasso

Sento-me e oiço. Porque precisas que eu o faça.
Sorrio e sinto-me genuinamente feliz por ti.

Ainda assim, o que anseio, o que vivo cada dia a desejar mais e mais, são os momentos de glorioso êxtase a cantar a plenos pulmões e as paisagens profundas de um Norte à minha espera.

Falta-me só a Bússola e o Compasso.

E em breve serei eu, aqui sentada, a precisar que me oiças.
Porque tudo o que senti é demais para guardar cá dentro.


Por muito que a vida nos queira
e o tempo nos ensine que não temos mão nela, continuamos.
Teimosamente persistentes.
Persistentemente teimosos.
A achar que lhe trocamos as voltas.

Mas ela segue, serena por trilhos estranhos,
por gravilha, por areia ou pelo asfalto,
a desbravar mato à nossa volta.

Pensamos conte-la ou implodi-la.
Fazer dela um significado maior.

E, no fim, exaustos,
reconhecemos de cabeça baixa a inevitável vitória.

E, hoje, a vida quer passear no Jardim.
E é exactamente isso que ela vai ter.

Issues. Big issues.


"Sanity is just a phone call away"

Quanto tempo é 'muito tempo'?
Quanto tempo é 'tempo demais'?

Efeito Placebo



Porque acredito naquilo que preciso de acreditar.
No que tenho de acreditar.
No que escolho acreditar.

Tudo no conforto estreito do teu abraço.

Noite de Verão

Escrevo este post...em directo.
Dito assim, parece-me bem.
Estou numa noite de Verão perfeita.
Com a melhor das companhias aqui mesmo ao meu lado.
Perco ligeiramente a direcção dos dedos sobre as teclas e escrevo palavras que rapidamente apago.
Penso no que todos dizem mas, acima de tudo, penso no que vai na mente e nos pensamentos - tão, tão distantes - de todos.

É a noite. É a melhor das noites.
Só espero que a vossa seja tão boa quanto a minha

Tic Toc


Tenho o relógio adiantado.
Apenas 2 ou 3 minutos.
No telemóvel e no carro.
Não chego atrasada. Nunca chego a correr.
Espero.

E enquanto o faço pego na caneta, no caderno negro e escrevo pequenos apontamentos como este.

O pulso, sem relógio, sem minutos a mais ou a menos, está descompassado.
Impossível acompanhar o ritmo do calor que se instalou.
Nem tarde, nem cedo.
A horas.

A.


Se tu dizes "Apanha" e corres à minha frente.
Eu persigo-te, de coração transbordante.

Olhas de soslaio sobre o ombro enquanto corres.
Porque queres que te apanhe.
E quando te apanho, quando te elevo no ar deixo para trás
... todos os sonhos desfeitos
... todos os dias perdidos

Porque ver-te crescer muda cada segundo da minha vida.
Porque quando dizes "Apanha" as lágrimas inundam-me o olhar.

Pessoa

Fosse ele vivo, arrastasse ele ainda a magreza da solidão e da melancolia por entre nós, escondesse ele ainda palavras profundas por detrás do redondo dos óculos.
Faria, hoje, anos.

...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família.
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperança.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

...

Álvaro de Campos

A minha cor preferida...


...é o reflexo dos teus olhos.

E também todas as pedras da calçada, todas as esquinas que se dobram sobre si mesmas e desdobram no infinitivo das possibilidades de todos os passos que damos.

E o céu enquadrado na moldura da minha divagação.
E os segundos perdidos nos silêncios do conforto.
E a marca do sol onde não queríamos que tivesse ficado.

A minha cor preferida é esta.
Contra o céu azul, ramagens de tons impossíveis.
E eu a vê-las. E tu, ausente.
E ainda assim, a vê-las comigo.

Apanhar todos os semáforos vermelhos.
Fazer uma encomenda e descobrir, duas semanas depois, que o produto foi descontinuado.
Chover forte e feio quando temos uma manhã de folga.
É impressão minha ou há dias em que…
Trazia a saia demasiado curta. E o sorriso demasiado aberto.
É que eu quase podia jurar que ela vinha feliz, percebes?
E dava um dedo mindinho para saber com quem ela vinha a falar ao telemóvel.
Aposto que era com um palhaço qualquer.

Dizias-me isto com um ar sério, com o ar mais sério. Como se fosse a coisa mais natural do mundo. Mas não era.

Eu limitava-me a abanar a cabeça, a manter o olhar mais complacente possível e a emitir uns “hum hum” e uns “pois” de cada vez que paravas para inspirar fundo ou para beberes um gole da imperial já completamente morta. E lançavas mais um ataque feroz.

Jamais poderia dizer-te que o melhor que aquela mulher alguma vez podia ter feito foi afastar-se de ti e do sufoco que lhe imponhas. Deixava-te embarcar na ilusão das tuas próprias palavras quando dizias “quem perde é ela”. Nunca hei-de perceber como é que consegues ser comigo o melhor dos amigos e com as (várias) mulheres que já passaram pela tua vida, o pior dos namorados.

E, sinceramente, nunca hei-de perceber porque teimas em ligar-me de cada vez que alguém te dá com os pés. Tens auto-estima de sobra (até a mais, diria) e eu, honestamente, tenho mesmo coisas mais importantes para fazer do que ver a cerveja morrer no teu copo enquanto finges que alguém te partiu o coração.


As paredes continuam a arder.
A calma inunda a cidade, as ruas atravessadas apenas pela rodagem lânguida de dois ou três corpos.
Abrem-se as janelas, os poros e os pensamentos para deixar entrar correntes de ar inexistente. Perseverantes face ao mercúrio que sobe.
Entramos em modo snooze.
E fugimos, de corpo ou de alma.
Para a frescura e para a catarse do mar.
E da curvatura perfeita do horizonte.


Sempre defendi com unhas e dentes que o hábito não faz o monge. Nem o hábito, nem o fato e a gravata, nem a bata branca.
E este simples pormenor já me trouxe desde acesas discussões em alturas despropositadas, olhares reprovadores, olhares condescendentes e até um ou outro verdadeiro dissabor pela vida fora.
Ainda assim, continuo a achar que o lobo pode vestir a pele do cordeiro.
E que, efectivamente, as pessoas nunca param de nos surpreender.
Pelas melhores e pelas piores razões.

Às vezes, as pessoas ausentam-se.
Para parte incerta. Por tempo indeterminado.
Com ou sem motivos.
Com ou sem explicações.

Como explicar, então, que com algumas pessoas (algumas muito em particular) lhes perdoemos a ausência sem qualquer tipo de tristeza, desilusão ou rancor?
São estranhos os trilhos.
Da palma da mão.
Do coração.
Dos bits, bytes e afins.

Há pessoas que sabemos que estão lá.
Que sabem que estamos aqui.
Suspensos no tempo.
Hopping for the best but expecting the worst.

"There is a crack in everything. That's how the light gets in"


Há nomes grandes. Tão grandes que são maiores que a vida.
Nomes que em si mesmos encerram todo um mundo de emoções, de transbordantes sensações, de palavras ditas, sonhadas, cantadas.
Nomes que são sinónimo de vozes profundas, vividas, conhecedoras de mistérios que nunca vamos sequer conhecer.
E há homens, daqueles com H maiúsculo.
Como este que da longevidade dos anos e de muitas estradas humanas percorridas, se chega humilde à beira de um palco e diz:

It’s wonderful to be gathered here on just the other side of intimacy.(…) We’re honoured to be playing for you tonight.”

Leonard Cohen, you are our man.

(vejam Leonard Cohen Live in London...é de uma emoção arrepiante)

Rain




Malditas convenções sociais e mais as mentalidades formatadas.
Cá por mim podiam ir todas recambiadas para um lugar bem negro nos confins do Universo.
Ninguém iria sentir falta delas e a vida ia ser tão mais simples.
Raista'parta as nuvens, mais a chuva e todas as indecisões do Universo.
E já cá que estamos a falar disso, raista'parta todos aqueles, sem excepção, que mais valia estarem caladinhos do que a contaminarem tudo com a sua negatividade.

Sunshine



Sim o sol brilha, finalmente, altivo e forte.
Mas o mais importante é o sol que trazemos cá dentro.
Sem ele não somos ninguém.

16 Steps - The Goodbye List


1. Love
2. Breathe
3. Hold still
4. Question
5. Open Up
6. Trust
7. Forgive
8. Remember
9. Believe
10. Dream
11. Surrender
12. Accept
13. Keep your memories
14. Cry
15. Say goodbye
16. Learn to let go

Ontem, havia um senhor que deambulava pelo Jardim.
Sorria e olhava para as árvores.
Trazia, precavido, um chapéu-de-chuva e um olhar de criança por detrás de umas grossas lentes.
Roubei-lhe esta foto já ele ia de saída. Curvado pelo peso de uma idade que não lhe consegui definir.

Rebel Rebel



Por casualidade, passei frente a um edifício em obras.
No andaimes, até à altura de um 3º andar, a mesma palavra repetida.
Rebel
Rebel
Rebel
Rebel

À ideia veio-me logo uma música.
Os trolhas de hoje em dia são muito mais cool do que eram dantes.

The Warrior



You win some, you lose some.
But you survive.
And you come out stronger in the end.
You adapt and you overcome.

O Oleiro


Adeus, Sr. José Franco.
Obrigado por partilhar a dádiva das suas mãos, da sua imaginação e do tamanho desmesurado do seu coração.