Lembro-me que guardavas, debaixo do teu colchão, milhares de pequenas coisas.
Levantavas o colchão, perante o meu ar de espanto, e agias como se fosse a coisa mais natural deste mundo.
E passados todos estes anos, não me lembro bem do que lá guardavas...
Mas lembro-me que havia pequenas regras de organização e, com toda a certeza, não era qualquer pequena coisa que ia lá parar. Devia ser necessário atingir um certo estatuto, atingir um grau de importância tal para ganhar um lugar naquele paraíso de memórias.
Quase consigo imaginar as batalhas travadas debaixo daquele colchão...desenhos, uma revista, um livro, um bilhete de entrada no Jardim Zoológico, milhares de pequenas coisas a lutar por um lugar cimeiro. Para que quando levantasses o colchão, as visses e me mostrasses como se fossem troféus.
Aposto que muitas das coisas que lá imagino nunca chegaram a existir. Fui apenas acrescentando lá as coisas...de tal modo que, na distância da infância, debaixo daquele colchão havia todo um mundo alternativo.
4 comments:
wow, como sorrio ao ler isto... como era, realmente, a coisa mais natural deste mundo pequeno organizado como um origami, as coisas que viviam debaixo do colchão... como me lembro tão bem das coisas que existiam e, também eu, acrescento ainda hoje, existindo apenas na minha minha cabeça e, quiçá, na realidade a cola bostik guardada na memória, bem lá no canto, ao ponto de quase não me lembrar dela!!!!.
Os desenhos (um futuro?), uma entrada num zoo (uma vitória?), um livro (um kamasutra?), um panfleto (uma memória?).
Como é que uma vida podia estar guardada num metro por dois quadrados?
...estava...
...estavamos :)
Era um mundo!!!! E ainda o é, sem sombra de dúvida, na nossa memória, cheia de histórias para contar (ámen). O colchão, é apenas uma, entre muitas....
Tantas, tantas histórias.
E muitas mais memórias.
Lembrei-me desta quando me perguntaram, há poucos dias, se tinha tido uma infância feliz.
Tive. Tivemos.
E nem nos lembramos da sorte que tivemos até pensarmos em coisas pequenas como estas. Já não conseguimos guardar a nossa vida toda num metro por dois quadrados. Mas conseguimos tê-la a toda no nosso coração.
Acho que é aí que, na verdade, guardamos as melhores memórias.
Aos nossos lugares secretos (reais e imaginários!) :-)
Secretamente partilhados :)
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