Story #1

O relógio na parede tem três mostradores. Um, grande, com os seus dois ponteiros negros a assinalar a dolorosa passagem dos minutos. Os outros dois, mais pequenos, marcam a hora actual em Nova Iorque e Hong Kong. Tudo isto faria sentido se eu estivesse num aeroporto, a caminho de um qualquer destino, longe ou perto, tanto faz, desde que seja diferente desta realidade. Ou se eu estivesse num quarto de hotel e aguardasse o nascer do dia no outro lado do mundo, para poder agarrar no telefone e ligar a alguém só para ouvir a sua voz e perguntar “como está o tempo aí?” e “dormiste bem?”. Aí sim, este relógio faria algum sentido. Não aqui, no meio de um café de cadeiras desconfortáveis, olhares cansados e cigarros apagados nos cinzeiros.
Sentar-me aqui, pedir uma bica e dar de caras com este relógio é perceber que há vida noutros mundos, noutros lados do mundo, onde tudo poderia ser diferente. Melhor ou pior. Tanto faz.
Estaria provavelmente sentada num outro café, em Nova Iorque ou Hong Kong, a pensar que a realidade dói. Onde quer que se esteja. Talvez estivesse apenas mais só, a lutar com os mesmos problemas. Ou talvez não. De qualquer forma, seria melhor. Desde que não fosse aqui, neste café, a olhar para as borras no fundo da chávena e a ver os sonhos morrerem, precisamente quando o relógio marca 14h45. Hora de Nova Iorque.

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