2010
Capta os sorrisos quando ninguém espera (que são, por isso, genuínos). Capta a imperfeição do quotidiano. Capta os ínfimos gestos, inatos, impensados, humanos.
Esconde-se por detrás desta lente, nova, com que olha agora o mundo.
E vê todas as possibilidades à sua frente.
Só terá que captá-las.
E o mundo será, finalmente, seu.
O Plano
Quem estaria ao seu lado, quem lhe faria companhia na viagem.
E de súbito a escuridão, o resvalar do chão debaixo dos pés.
A visão turva e o não saber mais como respirar.
Perder a razão e ver a torrente de sangue a saltar-lhe do peito.
E a chuva.
E a chuva contida cá dentro.
...
E seguir em frente.
Mais uma ferida aberta.
E um passo em frente.
Um atrás do outro.
I'm hatching some plot
Scheming some scheme...
Aceitou o desafio.
Disse que sim com uma facilidade surpreendente, deixando escapar a verdade antes que a razão pudesse apanhá-la a meio do caminho. De qualquer forma, gostava de dizer: “adoro desafios”, estivesse ou não alguém a ouvi-la. Para se convencer a si mesma e para se obrigar a dar passos em frente.
Gostava do traçar dos planos, das tabelas com prazos e limites, da determinação de objectivos. Da racionalização de momentos e minutos, delimitados e previstos, como se fosse tão simples quanto isso.
Deixou escapar a verdade, sorrateira, por entre os lábios.
Brincou com os seus vestígios, saboreou com a língua o seu ténue rasto e mordeu os lábios pelo bem que isto lhe sabia. A verdade estava cá fora, nada a fazer quanto a isso. Agarrou instintivamente na caneta e escreveu no primeiro pedaço de pele que apanhou a jeito (que nem era, sequer, seu).
Deixou que lhe inflamassem o ego, um flirt que lhe sabia bem por sabê-lo raro e por, lá no fundo, não acreditar nele.
Sentada, os ataques vinham de todos os lados:
- das palavras que a confrontavam à sua frente;
- das palavras que, sussurradas ao ouvido, a deixavam com a emoção à beira da pele;
- das palavras que, do fundo da mesa, lhe gritavam e ficavam a pairar, nada subtis, no ar (misturadas com fumo, riso e promessas).
As palavras, sempre as palavras.
E conseguia listá-las assim, entre travessão e ponto e vírgula, com todas as sílabas a que tinham direito. Desafiadas e, simultaneamente, desafiadoras. Brincou uma vez mais com a verdade, nos lábios, saboreada e multiplicada no calor honesto dentro de si. Sabiam-lhe a vinho, a sol e a futuro.
E, por fim, agarrou nas palavras e fez delas o que sempre quis fazer mas nunca tinha conseguido. Perante todos, disse: “é este o plano…”
Why not?
Fiquei a saborear a ideia e ajudei-a a descer com dois goles de tinto.
Pousei o copo na mesa e pensei:
Preguiça, sim.
Preguiça de arrumar as ideias em capítulos ordenados, em folhas paginadas, em discursos coerentes.
E medo, também.
De vir a ter em mãos histórias que rumem a finais que eu queria diferentes.
Mas nem é sequer a primeira vez que tenho esta conversa, que me dizem sem rodeios isto.
O fim do ano está aí à porta e, fazendo contas à vida, tenho mais motivos para sorrir do que o contrário.
Porque não escrevê-los, também?
A Resposta
De todas as vezes que tentei escrever, desisti a meio.
De todas as vezes que tentei escrever-me, escrever-te.
Não sei porque fujo assim que vejo uma porta aberta, porque apago as luzes à passagem, porque não te digo “até logo”. Se calhar até sei, mas recuso-me a admitir o medo, os receios, as inseguranças, porque é muito mais fácil fugir e refugiar-me na sacanice da saída mais próxima, od caminho mais rápido, dos atalhos. Se calhar é porque não gosto de becos sem saída. Ou porque quando me encosto à parede vês a totalidade de quem sou.
Não preciso de carimbos que legitimem isto: sou um fraco. Mas um fraco com fôlego suficiente para correr a distância que for necessária até me encontrar na segurança e na recompensa da altivez, estúpida, de quem se acha dono da verdade. Não são precisas 25 linhas numa folha azul para resumir em apenas uma frase: sou demasiado complicado. Ou simples. Ou frágil, a fingir-me de forte.
Dá-lhe o nome que quiseres, mas não deixes nunca de querer ler-me. De encurralar-me. De prender-me quando vou a fugir. Porque fugir (e não voltar) não é ganhar asas. Ganhar asas é ficar, poder voar (quando quiser) e regressar depois de cada voo. A ti.
Subscrevo-me, de coração aberto,
….
A carta
Preciso que escrevas.
Peço-te que o faças, assim, sem artifícios, sem entrelinhas, sem dificuldade ou orgulho ferido. Disponho-me, vulnerável, com um “por favor”.
Quero ler-te, preciso de ler-te.
Para perceber a tua persistência, a tua ausência e a tua intermitência.
Para perceber porque apagas a luz antes de teres saído da sala, porque desligas o telefone antes de te despedires, porque trancas as portas dos sítios onde sabes que vais regressar mas deixas escancaradas as portas dos locais onde te recusas a voltar.
Preciso que escrevas em papel azul, de 25 linhas, timbrado e aprovado por qualquer entidade que possas considerar relevante, os teus quês e porquês.
Subscrevo-me, de coração aberto,
…