Desconstrui-me. Como faço habitualmente, quando o calor é tão sufocante nas quatro paredes que me vejo forçado a procurar forças em lugares inesperados. Aí chegado, sento-me numa qualquer sombra onde consiga perceber uma brisa, por pequena que seja. Cravo os pés na areia, no chão de ripas de madeira ou empoleiro-os descontraidamente numa outra cadeira à minha frente. Com o fim da tarde que se aproxima, os corpos tostados vão rumar a casa carregados de sal e carregados com a paciência que não têm no resto do ano para ficar presos em filinhas certeiras e empoeiradas. Só quando poucos resistem no areal e as sombras se alongam pelo areal é que eu rumo ao mar, onde entro sem indecisões e mergulho por baixo da primeira onda que vem direito a mim.

E desconstruo-me. Peça por peça. Arranco-as calmamente e elas afundam-se devagar. Depois de totalmente desconstruído, cravo os olhos no céu e fico a boiar por uns minutos ao sabor da corrente. Submerso, oiço unicamente a cadência das ondas ao longe e, mais presente que nunca, forte e calma, a minha própria respiração. Encho o peito de ar e, com todo o impulso que consigo ganhar, mergulho e apanho rapidamente todas as peças do fundo do mar. Assim mesmo, com um único fôlego.

Regresso a terra já inteiro, reconstruído e recriado. Renascido, com sal, água, areia, tudo. Sinto com as mãos cada poro, cada trilho, para ter a certeza que tudo está no lugar devido.
E só aí percebo que me falta um pedaço. Um pedaço que me escapou, que terá sido arrastado pela corrente. Um pedaço que alguém pode muito bem ter visto, apanhado, colocado num outro corpo. Alguém andará agora por aí com um pedaço a mais. Um pedaço de mim.

2 comments:

I disse...

Pedaçar parte 2... ou 3?! Será que sentimos as pessoas que guardam pedaços nossos quando passam por nós?

Lina disse...

Acho que não vou resistir a um capítulo final...o pedaço em falta, o pedaço a mais...pedaçar é urgente!
:)